Hoje vou postar um texto que li e achei muito importante compartilhar com vocês. Ele pode nos ajudar a desapegar de alguns sentimentos, dos bons e dos ruins, e também a entender o porquê de tanta frustração.
A Busca do Prazer – O Desejo – A Perversão pelo Pensamento –
A Memória – A Alegria
"No capítulo precedente, dissemos que a alegria era uma coisa
inteiramente diferente do prazer; por conseguinte, vejamos o que está implicado
no prazer e se é possível viver num mundo em que não exista o prazer, porém um
extraordinário estado de alegria, de bem-aventurança.
Estamos, todos nós, empenhados na busca do prazer, nesta ou
naquela forma – prazer intelectual, sensual ou cultural; o prazer de reformar,
de dizer aos outros o que devem fazer, de atenuar os males da sociedade, de
fazer o bem; o prazer de ter conhecimentos mais vastos, maior satisfação
física, mais experiências, mais compreensão da vida, de possuir todas as
qualidades engenhosas e sutis da mente; e, naturalmente, o prazer supremo: a
posse de Deus.
O prazer é a estrutura da sociedade. Da infância à morte,
secreta ou ardilosamente, ou abertamente, buscamos o prazer. Assim, qualquer
que seja a nossa forma de prazer, acho que devemos vê-la muito claramente,
porque será ela que irá guiar e moldar a nossa vida. Por conseguinte, o
importante é que cada um de nós investigue com atenção, cautela, precisão, a
questão do prazer, porque achar o prazer e depois nutri-lo e mantê-lo constitui
uma necessidade básica da vida e sem ele a existência se torna monótona,
estúpida, ensombrada pela solidão e sem nenhum significado.
Você perguntará: "Então por que razão não deve a vida
ser guiada pelo prazer?" – Por uma razão muito simples: o prazer traz
necessariamente a dor, a frustração, o sofrimento, o medo, e, como resultado do
medo, a violência. Se você quer viver dessa maneira, viva; aliás, é o que a
maioria faz. Mas, se quer se livrar do sofrimento, você deve compreender a
inteira estrutura do prazer.
Compreender o prazer não significa negá-lo. Não o estamos
condenando ou dizendo que é bom ou mau, mas, se o cultivamos, façamo-lo de
olhos abertos, sabendo que a mente que está sempre a buscar o prazer encontrará
inevitavelmente a sua sombra – a dor. As duas coisas não podem ser separadas,
embora busquemos o prazer e procuremos evitar a dor.
Ora, por que é que a mente está sempre a exigir prazer? Por
que razão fazemos coisas nobres e ignóbeis sempre com esse desejo secreto de
prazer? Por que nos sacrificamos e sofremos, sempre pendentes desse tênue fio
do prazer? O que é o prazer, e como ele nasce? Não sei se alguns de vocês já fizeram
a si próprios essas perguntas e foram até a última consequência das respostas.
O prazer se torna existente em quatro fases: percepção,
sensação, contato e desejo. Vejo um belo automóvel, por exemplo; vem em seguida
uma sensação, uma reação; depois o toco com as mãos ou imagino tocá-lo; e vem
então o desejo de possuir o carro e ostentar-me com ele. Ou vejo uma nuvem
formosa, uma montanha claramente delineada contra o céu, uma folha que acaba de
brotar na primavera, um vale profundo, cheio de encantos e esplendor, um glorioso
pôr-do-sol, um belo rosto, inteligente, vivo e não cônscio de sua beleza e,
portanto, já sem beleza. Olho essas coisas com intenso deleite e, enquanto as
observo, não há observador, porém, tão-só a beleza pura, qual a do amor. Por um
momento estou ausente com todos os meus problemas, ansiedades e aflições; só
existe aquela coisa maravilhosa. Posso olhá-la com alegria e no próximo momento
esquecê-la, ou, então, a mente pode interferir – e aí começa o problema: minha
mente pensa naquilo que viu e na sua beleza; digo de mim para mim que gostaria
de tornar a vê-lo muitas vezes. O pensamento começa a comparar, a julgar, a
dizer: "Quero repetir isso amanhã". A continuidade de uma experiência
que por um segundo proporcionou deleite é mantida pelo pensamento.
O mesmo sucede em relação ao desejo sexual ou outro. Não há
nada de mau no desejo. Reagir é perfeitamente normal. Se você me pica com um alfinete,
eu reajo, a não ser que esteja paralisado. Mas, o pensamento interfere, fica a ruminar
aquele deleite e o converte em prazer. O pensamento deseja repetir a experiência
e, quanto mais repetida, tanto mais mecânica ela se torna; quanto mais você pensa
nela, mais força o pensamento confere ao prazer. Desse modo, o pensamento cria
e mantém o prazer através do desejo e dá-lhe continuidade; por conseguinte, a
reação natural do desejo, ante uma coisa bela, é pervertida pelo pensamento. O
pensamento a converte em memória, que é então nutrida pelo pensar repetidamente
naquela coisa.
Naturalmente, a memória tem seu lugar próprio, num certo
nível. Sem ela, não teríamos possibilidade de atuar na vida de cada dia. Em sua
própria esfera, a memória tem de ser proficiente, mas há um estado da mente
onde há muito pouco lugar para ela. A mente que não está tolhida pela memória
tem a verdadeira liberdade.
Você já notou que, quando reage a uma dada coisa totalmente,
com todo o coração, quase não resta memória? É só quando você não responde a um
desafio com todo o seu ser que se apresenta o conflito, a luta, que acarreta
confusão e prazer ou dor. A luta gera memória. Essa memória é continuamente acrescentada
por outras memórias, e são essas memórias que reagem. Tudo oque é resultado da
memória é velho e, por conseguinte, nunca é livre. Liberdade de pensamento é
algo que não existe; é puro contrassenso.
O pensamento nunca é novo, porque o pensamento é a resposta
da memória, da experiência, do conhecimento. O pensamento, que é velho, torna
também velho aquilo que olhastes com deleite e que por um momento sentiu profundamente,
do velho vem o prazer; nunca do novo. No novo não existe o tempo.
Assim, se puder olhar todas as coisas sem permitir a
intrusão do prazer – olhar uma rosa, uma ave, a cor de um sari, a beleza de uma
extensão de água rutilando ao sol, ou qualquer coisa deleitável – se puder
olhar assim, sem desejar que a experiência se repita, então não haverá dor, nem
medo e, por conseguinte, haverá uma alegria infinita.
É a luta para repetir e perpetuar o prazer que o converte em
dor. Observe isso em você mesmo. A própria exigência da repetição do prazer
produz dor, porque ele nunca é a mesma coisa de ontem. Você luta para alcançar
o mesmo deleite não só para o seu senso estético, mas também para a sua mente,
e fica magoado e desapontado, porque ele lhe é negado.
Você já observou o que acontece quando lhe é negado um
pequeno prazer? Quando não tem o que quer, você se torna ansioso, invejoso,
rancoroso. Já notou que, quando lhe negam o prazer de fumar ou de beber, o
prazer sexual ou outro qualquer – já notou as lutas que você tem de sustentar?
E tudo isso é uma forma de medo, não é verdade? Você tem medo de não obter o
que deseja ou de perder o que possui. Quando uma dada fé ou ideologia que você
cultiva há muitos anos é abalada ou lhe é arrebatada pela lógica da vida, você não
tem medo de se ver só? Essa crença lhe proporcionou durante anos satisfação e
prazer, e quando lhe é retirada você fica desgovernado, vazio, e o medo perdura
até você achar outras formas de prazer, outra crença.
Isso me parece muito simples, e, por ser tão simples, não
queremos ver a sua simplicidade. Gostamos de complicar tudo. Se sua esposa o
abandona, não sente ciúme? Não sente raiva? Não odeia o homem que a seduziu? E que
é tudo isso senão o medo de perder o que lhe dava muito prazer, de perder essa
companhia, perder aquela segurança e satisfação conferidas pela posse?
Assim, se compreende que quando se busca o prazer tem de
haver dor, você pode, se lhe aprouver, viver dessa maneira, porém com pleno
conhecimento do passo que está dando. Se, entretanto, deseja pôr fim ao prazer,
o que significa pôr fim à dor, você deve estar completamente atento à estrutura
total do prazer; mas não deve repeli-lo, como o fazem os monges e os sanyasis,
que não olham para uma mulher porque é pecado e, dessa maneira, destroem a vitalidade
da própria compreensão: porém, cumpre ver todo o significado e importância do
prazer. Encontre então infinita alegria na vida. Não se pode pensar na alegria.
A alegria é uma coisa imediata e se nela pensar, você a converterá em prazer.
Viver no presente é a percepção imediata da beleza e o grande deleite que nela
existe, sem dela procurar extrair prazer."
"Liberte-se do Passado", Jiddu Krishnamurti
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