Boas Vindas

"Só quando nos damos conta de que a vida não está nos levando a parte alguma é que ela começa a ter sentido." P.D. Ouspensky

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Entendo um pouco do prazer e da dor.

Olá Mungados de plantão,

Hoje vou postar um texto que li e achei muito importante compartilhar com vocês. Ele pode nos ajudar a desapegar de alguns sentimentos, dos bons e dos ruins, e também a entender o porquê de tanta frustração.


A Busca do Prazer – O Desejo – A Perversão pelo Pensamento – A Memória – A Alegria

"No capítulo precedente, dissemos que a alegria era uma coisa inteiramente diferente do prazer; por conseguinte, vejamos o que está implicado no prazer e se é possível viver num mundo em que não exista o prazer, porém um extraordinário estado de alegria, de bem-aventurança.
Estamos, todos nós, empenhados na busca do prazer, nesta ou naquela forma – prazer intelectual, sensual ou cultural; o prazer de reformar, de dizer aos outros o que devem fazer, de atenuar os males da sociedade, de fazer o bem; o prazer de ter conhecimentos mais vastos, maior satisfação física, mais experiências, mais compreensão da vida, de possuir todas as qualidades engenhosas e sutis da mente; e, naturalmente, o prazer supremo: a posse de Deus.
O prazer é a estrutura da sociedade. Da infância à morte, secreta ou ardilosamente, ou abertamente, buscamos o prazer. Assim, qualquer que seja a nossa forma de prazer, acho que devemos vê-la muito claramente, porque será ela que irá guiar e moldar a nossa vida. Por conseguinte, o importante é que cada um de nós investigue com atenção, cautela, precisão, a questão do prazer, porque achar o prazer e depois nutri-lo e mantê-lo constitui uma necessidade básica da vida e sem ele a existência se torna monótona, estúpida, ensombrada pela solidão e sem nenhum significado.
Você perguntará: "Então por que razão não deve a vida ser guiada pelo prazer?" – Por uma razão muito simples: o prazer traz necessariamente a dor, a frustração, o sofrimento, o medo, e, como resultado do medo, a violência. Se você quer viver dessa maneira, viva; aliás, é o que a maioria faz. Mas, se quer se livrar do sofrimento, você deve compreender a inteira estrutura do prazer.
Compreender o prazer não significa negá-lo. Não o estamos condenando ou dizendo que é bom ou mau, mas, se o cultivamos, façamo-lo de olhos abertos, sabendo que a mente que está sempre a buscar o prazer encontrará inevitavelmente a sua sombra – a dor. As duas coisas não podem ser separadas, embora busquemos o prazer e procuremos evitar a dor.
Ora, por que é que a mente está sempre a exigir prazer? Por que razão fazemos coisas nobres e ignóbeis sempre com esse desejo secreto de prazer? Por que nos sacrificamos e sofremos, sempre pendentes desse tênue fio do prazer? O que é o prazer, e como ele nasce? Não sei se alguns de vocês já fizeram a si próprios essas perguntas e foram até a última consequência das respostas.
O prazer se torna existente em quatro fases: percepção, sensação, contato e desejo. Vejo um belo automóvel, por exemplo; vem em seguida uma sensação, uma reação; depois o toco com as mãos ou imagino tocá-lo; e vem então o desejo de possuir o carro e ostentar-me com ele. Ou vejo uma nuvem formosa, uma montanha claramente delineada contra o céu, uma folha que acaba de brotar na primavera, um vale profundo, cheio de encantos e esplendor, um glorioso pôr-do-sol, um belo rosto, inteligente, vivo e não cônscio de sua beleza e, portanto, já sem beleza. Olho essas coisas com intenso deleite e, enquanto as observo, não há observador, porém, tão-só a beleza pura, qual a do amor. Por um momento estou ausente com todos os meus problemas, ansiedades e aflições; só existe aquela coisa maravilhosa. Posso olhá-la com alegria e no próximo momento esquecê-la, ou, então, a mente pode interferir – e aí começa o problema: minha mente pensa naquilo que viu e na sua beleza; digo de mim para mim que gostaria de tornar a vê-lo muitas vezes. O pensamento começa a comparar, a julgar, a dizer: "Quero repetir isso amanhã". A continuidade de uma experiência que por um segundo proporcionou deleite é mantida pelo pensamento.
O mesmo sucede em relação ao desejo sexual ou outro. Não há nada de mau no desejo. Reagir é perfeitamente normal. Se você me pica com um alfinete, eu reajo, a não ser que esteja paralisado. Mas, o pensamento interfere, fica a ruminar aquele deleite e o converte em prazer. O pensamento deseja repetir a experiência e, quanto mais repetida, tanto mais mecânica ela se torna; quanto mais você pensa nela, mais força o pensamento confere ao prazer. Desse modo, o pensamento cria e mantém o prazer através do desejo e dá-lhe continuidade; por conseguinte, a reação natural do desejo, ante uma coisa bela, é pervertida pelo pensamento. O pensamento a converte em memória, que é então nutrida pelo pensar repetidamente naquela coisa.
Naturalmente, a memória tem seu lugar próprio, num certo nível. Sem ela, não teríamos possibilidade de atuar na vida de cada dia. Em sua própria esfera, a memória tem de ser proficiente, mas há um estado da mente onde há muito pouco lugar para ela. A mente que não está tolhida pela memória tem a verdadeira liberdade.
Você já notou que, quando reage a uma dada coisa totalmente, com todo o coração, quase não resta memória? É só quando você não responde a um desafio com todo o seu ser que se apresenta o conflito, a luta, que acarreta confusão e prazer ou dor. A luta gera memória. Essa memória é continuamente acrescentada por outras memórias, e são essas memórias que reagem. Tudo oque é resultado da memória é velho e, por conseguinte, nunca é livre. Liberdade de pensamento é algo que não existe; é puro contrassenso.
O pensamento nunca é novo, porque o pensamento é a resposta da memória, da experiência, do conhecimento. O pensamento, que é velho, torna também velho aquilo que olhastes com deleite e que por um momento sentiu profundamente, do velho vem o prazer; nunca do novo. No novo não existe o tempo.
Assim, se puder olhar todas as coisas sem permitir a intrusão do prazer – olhar uma rosa, uma ave, a cor de um sari, a beleza de uma extensão de água rutilando ao sol, ou qualquer coisa deleitável – se puder olhar assim, sem desejar que a experiência se repita, então não haverá dor, nem medo e, por conseguinte, haverá uma alegria infinita.
É a luta para repetir e perpetuar o prazer que o converte em dor. Observe isso em você mesmo. A própria exigência da repetição do prazer produz dor, porque ele nunca é a mesma coisa de ontem. Você luta para alcançar o mesmo deleite não só para o seu senso estético, mas também para a sua mente, e fica magoado e desapontado, porque ele lhe é negado.
Você já observou o que acontece quando lhe é negado um pequeno prazer? Quando não tem o que quer, você se torna ansioso, invejoso, rancoroso. Já notou que, quando lhe negam o prazer de fumar ou de beber, o prazer sexual ou outro qualquer – já notou as lutas que você tem de sustentar? E tudo isso é uma forma de medo, não é verdade? Você tem medo de não obter o que deseja ou de perder o que possui. Quando uma dada fé ou ideologia que você cultiva há muitos anos é abalada ou lhe é arrebatada pela lógica da vida, você não tem medo de se ver só? Essa crença lhe proporcionou durante anos satisfação e prazer, e quando lhe é retirada você fica desgovernado, vazio, e o medo perdura até você achar outras formas de prazer, outra crença.
Isso me parece muito simples, e, por ser tão simples, não queremos ver a sua simplicidade. Gostamos de complicar tudo. Se sua esposa o abandona, não sente ciúme? Não sente raiva? Não odeia o homem que a seduziu? E que é tudo isso senão o medo de perder o que lhe dava muito prazer, de perder essa companhia, perder aquela segurança e satisfação conferidas pela posse?
Assim, se compreende que quando se busca o prazer tem de haver dor, você pode, se lhe aprouver, viver dessa maneira, porém com pleno conhecimento do passo que está dando. Se, entretanto, deseja pôr fim ao prazer, o que significa pôr fim à dor, você deve estar completamente atento à estrutura total do prazer; mas não deve repeli-lo, como o fazem os monges e os sanyasis, que não olham para uma mulher porque é pecado e, dessa maneira, destroem a vitalidade da própria compreensão: porém, cumpre ver todo o significado e importância do prazer. Encontre então infinita alegria na vida. Não se pode pensar na alegria. A alegria é uma coisa imediata e se nela pensar, você a converterá em prazer. Viver no presente é a percepção imediata da beleza e o grande deleite que nela existe, sem dela procurar extrair prazer."

"Liberte-se do Passado", Jiddu Krishnamurti